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Maputo
Nos dias 7 a 9 de junho de 2011 aconteceu em Angola um encontro dos partidos que lutaram pela independência nos cinco países africanos de língua portuguesa. Reuniram-se representantes do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) e Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe – Partido Social-Democrata (MLSTP/PSD).
O encontro marcou os 50 anos da criação da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colônias Portuguesas (CONCP), criada em Marrocos para troca de experiências entre as lideranças dos partidos que conduziam a luta pela independência nos países africanos de expressão portuguesa. Ao final do encontro foi definido como novo alvo de combate desses países o subdesenvolvimento nos seus Estados. Mas o que me chamou mesmo atenção nesse encontro foi perceber que dos cinco partidos presentes, quatro estão no poder. Apenas o MLSTP/PSD é oposição, em São Tomé e Príncipe. As independências se deram há mais de 30 anos. Nesse tempo, houve eleições nos países, reconduções dos governantes ao cargo, troca de governantes. No entanto, essa troca foi quase sempre dentro dos mesmos partidos. Não soa estranho? E isso se repete em vários países da África, não só nos que tiveram colonização portuguesa. A única exceção desses citados está em Cabo Verde, onde o partido da oposição ganhou eleições, assumiu sem precisar colocar a faca no pescoço de ninguém e depois o PAICV ganhou eleições e voltou ao poder pela força do voto. É verdade que só posso falar pelo que vejo em Moçambique e, mesmo assim, é visão de rés do chão, de quem não está no meio político para saber de fato o que se passa. Só sei o que vejo nas ruas. E, para ser sincera, o que vejo por aqui é uma oposição muito fraca. Fraca no sentido de não serem hábeis politicamente. Entretanto, se olharmos para quem está no poder… seriam estes mais capazes que os outros? Não consigo ter convicção de que se fosse a oposição (representada aqui com mais presença pela Renamo – Resistência Nacional Moçambicana) no poder as coisas estariam piores ou melhores. Mas o que sei é que por aqui sempre ficam muitas dúvidas sobre os resultados das eleições. Claro que oposição sempre grita, diz que não perdeu, mas não é só isso. Pessoas que conhecem um pouco mais a fundo os meandros políticos moçambicanos explicam que houve muita confusão, muito voto anulado que não precisava e outros tantos contabilizados sem condições de o serem. Dizem que talvez a Frelimo não tivesse perdido as eleições passadas, por exemplo, mas o resultado seria muito mais apertado. Isso significaria um ganho de terreno para a oposição que a Frelimo não quer que seja demonstrado. Houve quem já me explicasse também que os organismos internacionais aqui presentes não têm interesse em ver outro partido assumir porque, bem ou mal, a Frelimo tem seguido suas cartilhas e contribuído de alguma forma para o desenvolvimento do país (ainda que a passos de cágado). Outro no lugar seria um enigma e talvez desse um trabalho que não querem ter. Então, esses organismos podem acabar por fazer vistas grossas para muitas situações questionáveis nas eleições moçambicanas. O que eu vejo é que, apesar de termos eleições em todos esses países, com partidos de oposição efetivamente concorrendo e observadores internacionais a acompanhar, só vamos poder dizer que são realmente democracias consolidadas quando viverem alternância de poder sem derramamento de sangue. Ou seja, quando ocorrer com mais freqüência na África o que se deu em Cabo Verde: um partido da oposição vence porque faz melhor campanha e conquista mais votos, então assume o governo porque o partido derrotado entende que assim deve ser quando se perde a eleição. Enquanto isso não acontece, temo que os demais países sigam outros exemplos e ainda se viva por aqui situações semelhantes a que vimos recentemente em Costa do Marfim, quando o presidente no poder simplesmente se recusou a admitir a derrota na eleição. Percebo que os povos africanos ainda não têm uma percepção profunda do que é ser independente e viver em democracia e acabam por aceitar uma nova situação de dependência, agora daqueles que lutaram pela liberdade do país. Ou seja, os líderes que estão nos governos hoje, muitas vezes, foram os que lutaram pela independência, lá nos anos 60 e 70 do século passado. A visão que passam é de que o povo continuaria colonizado e subjugado se não fosse sua dedicação e sua luta. Mas, o que eles não entendem é que, quando se luta pela liberdade, o prêmio é nada além da liberdade. Ficar no poder para sempre para usufruir de direitos e benécies muitas vezes questionáveis diminuem a grandeza da luta do passado. Leia mais detalhes sobre o encontro dos partidos que lutaram pela independência nos países de língua portuguesa na África na agência Angola Press e no blog Cidadania da CPLP. Leia sobre a situação política pós eleição em 2010 na Costa do Marfim, no site SIC Notícias. Sandra Flosi
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Certa vez eu cheguei em uma comunidade muito carente no interior do nordeste do Brasil, em um carro alugado, com uma câmera fotográfica na mão. Os meninos da cidade me rodearam, perguntando se eu ia fazer foto para jornal. Aquilo me intrigou e eu quis entender melhor.
Eles me explicaram que toda hora ia fotógrafo lá fazer foto para jornal. Alguns até já tinham se visto em jornais. A inocência daquelas crianças não deixava que elas percebessem que não eram elas as fotografadas, mas sua pobreza. Eu me lembrei de que, em minhas pesquisas antes de me dirigir para o local, tinha visto várias matérias sobre a seca, a falta de renda, as dificuldades todas daquela cidade pobre. Em todas as matérias, fotos. Muitas com crianças. De costas, de olhos com tarja, com o rosto desfocado, mas eram aquelas crianças. Afinal, as pessoas se sensibilizam com elas. Naquele dia eu percebi que, muitas vezes, o objetivo ao divulgar essas situações não passa do objetivo comercial de venda. E o desejo implícito dos donos dos veículos de comunicação seria que aquela pobreza não acabasse. Afinal, se acaba, acaba uma fonte de venda. Quando cheguei em Moçambique, estudei algumas instituições que fazem trabalho social aqui, na busca por um lugar para pedir emprego. Percebi que muitas delas não trabalham para mudar o estado vigente. Apenas atuam para manter seus funcionários bem acomodados e remunerados e garantir que todos os pobres da África não morram, porque se morrerem, acaba a fonte de vida dessas instituições. O mais cruel foi perceber que, se essas pessoas filhas da pobreza passarem a viver bem, sem necessitar de ajuda externa, acaba a razão de ser das instituições da mesma forma. E onde vão se empregar os consultores bem remunerados? Então, encontrei aqui muita descrença, muita gente desiludida com os estrangeiros. Foi triste eu perceber que poderia ser confundida com essas pessoas. E sempre que possível fiz entender que eu não estava aqui para isso. No entanto, eu sei que ainda há quem pense que eu vim apenas em busca de oportunidade. É verdade que vim. Mas de oportunidade de contribuir seriamente, de ajudar a fundo, de tentar encontrar o caminho da mudança. No entanto, não é dessa oportunidade que se fala quando o assunto é estrangeiro em Moçambique… Eu tenho visto sim gente a fazer trabalho sério. Mas, infelizmente, os moçambicanos estão tão acostumados com os estrangeiros-eternos-colonizadores-exploradores que, quando se deparam com gente desinteressada, que não quer oportunidade de se dar bem, mas apenas de fazer o bem, não acreditam que isso seja possível. O olhar é sempre o mesmo que me foi lançado por aqueles meninos do interior do nordeste brasileiro: de desconfiança. Sandra Flosi _Na segunda metade do século passado, Moçambique viveu onze anos de guerra pela independência e dezesseis anos de guerra civil. Guerras que nunca chegaram à capital do país, Maputo. Com isso, quero dizer que Maputo nunca foi campo de batalha, mas claro que episódios como esses sempre respingam e seria impossível a capital ficar imune.
Mas, às vezes, olhando à volta, me parece que foi mais que isso. A impressão que dá é de que houve bombardeios aqui mesmo, na rua ao lado, na casa ao lado. casa com jornal na janela quebrada casa com janela quebrada. É raro ver um relógio de rua que funcione. A maioria das salas de cinema já não exibe mais. Há uma sala, aliás, que nunca exibiu. São comuns as ruínas que já foram bonitas casas um dia, mas onde ainda moram famílias hoje. Em toda rua há uma janela quebrada de casa ou apartamento substituída por jornais ou plásticos ou nada… E vive-se aqui. Sandra Flosi _No último fim de semana do Guilherme conosco em Maputo, deixamos que ele escolhesse o passeio que queria fazer. Ele, que adora o mar, escolheu conhecer a praia do Bilene. Era o fim do mês de julho, alto inverno, e eu logo vi que não ia dar praia… mas o entendimento adolescente do mundo é diferente do nosso e na cabeça dele praia era sinônimo de sol e calor. E como o aprendizado adolescente também é diferente, se não fôssemos, ele ia continuar pensando assim. Tem que ver para crer.
Também queríamos conhecer Bilene, praia tão falada por aqui. Vestimos agasalhos e partimos no sábado de manhã, pela Estrada Nacional número 1 (EN1), rumo ao norte. Até o Otto participou… Passamos o limite da província de Maputo com a província de Gaza e seguimos na mesma estrada até a cidade de Macia, onde pegamos uma pequena estrada à direita, a qual percorremos por mais 30 quilômetros rumo ao Índico. Esses cerca de 200 quilômetros são percorridos em estrada asfaltada, não duplicada, mas bem boa. No fim da estrada, após duas horas de viagem, a vila Bilene. A famosa praia fica em uma enorme lagoa de água salgada, a lagoa Uembje, que tem 27 quilômetros de extensão e é separada do Oceano Índico por uma estreita faixa de dunas. Não deu praia. Mas o visual valeu tudo. Por causa da ventania forte típica da proximidade do mês de agosto por aqui, não ficamos muito na praia, mas almoçamos em um restaurante à beira mar e curtimos a bonita vista da enorme lagoa. Nesse dia entendemos porque no verão tanta gente vai à praia do Bilene: facílimo acesso, água calma e visual maravilhoso, típico dos melhores pontos turísticos praianos do mundo. Mais sobre a praia do Bilene no blog Crónicas de Maputo, na Wikipedia e no portal do governo da província de Gaza. Sandra Flosi _Este post conta uma história que acabou em 29 de agosto. Conto ainda que com um pouco de atraso, porque acho que é informação importante para quem vai ainda passar pelo mesmo. É a história de meses para se obter a renovação do DIRE: Documento de Identificação de Residente Estrangeiro.
O documento é feito no departamento de imigração e sofreu algumas alterações nos anos que estamos aqui. Quando chegamos era manual. Colocava-se um selo (com um carimbo, claro) e à mão se preenchia dados como a validade. Uma assinatura do funcionário do departamento e pronto. Custava MT 4.000,00, se não me falha a memória. Em meados de 2010, o processo foi modernizado. O DIRE passou a ser um cartão, semelhante ao bilhete de identidade moçambicano, feito eletronicamente em uma empresa. O departamento de imigração só faz pegar a documentação e encaminhar para a empresa que emite o cartão. O valor subiu, em um primeiro momento, para MT 24.000,00. Como houve muita chiadeira conseguiram baixar e passou a MT 19.000,00, sendo que para os países membros da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) ficou em MT 14.400,00. O custo é mais alto, mas o documento é mais eficiente e mais seguro, o que é extremamente positivo. No entanto, nem todos ficaram satisfeitos… pessoas que trabalham em determinadas salinhas no prédio da imigração ficaram desnorteadas. Antes, suas salas (onde há sempre só uma mesa, para um só funcionário em cada sala) eram sempre visitadas por pessoas que, por uma razão ou por outra, queriam o DIRE sem passar pela burocracia, espera, demora, fiscalização de documentos, etc. etc. etc. A solução estava ali: o funcionário pegava o selo, colava no passaporte, carimbava, preenchia… e quem diria depois que não foi feito tudo como tinha que ser? Agora já não é assim. Aquele funcionário sozinho naquela salinha de uma só mesa já não pode tanto. Já não é apenas dele que depende o processo. O selo, o carimbo, a assinatura transformaram-se em uma empresa. Não digo que não haja já um esquema da própria empresa para vender DIREs a quem os quer de forma fácil. Mas os envolvidos serão outros. E aqueles que já não estão mais no esquema (pelo menos nesse primeiro momento), estão perdidos. E tentam encontrar outras formas, outros esquemas, desesperadamente… Quando meu DIRE estava para vencer, dei entrada nos papéis e paguei o valor que me foi informado pelo caixa no balcão. O valor que ele me pediu foi MT 14.500,00. Eu já havia ficado na fila para tirar a fotografia para o documento por muito tempo, tempo que me pareceu ainda mais imenso no calor africano daquele subsolo repleto de gente de todo o mundo. Não havia no local nenhuma tabela de preços exposta. Quando ele, um funcionário público do Estado, falou o valor, entreguei o dinheiro, peguei o recibo e fui embora. Recibo de 14400 pelo DIRE Só em casa me dei conta que no recibo diz: MT 14.400,00. Fui lesada em MT 100,00. Já haviam me dito que no tal departamento não se dá troco. Tem que levar o dinheiro trocado ou deixar por lá o que sobrar. Mas eu não sabia que, com olhos de raio-X, o funcionário conseguiria saber que notas eu tinha na carteira e já me pediria o valor que eu pagaria. E, no caso, os olhos de raio-X se enganaram, porque eu até teria dinheiro trocado. Mas e agora? Voltar e dizer que fui enganada? Ele negaria e eu não teria como provar. Tudo isso foi no dia 11 de maio de 2011. No recibo que me foi entregue dizia que a data para retirada (levantamento, por aqui) do documento seria 26 do mesmo mês. Quando comentei com alguns amigos, riram: “Quinze dias? DIRE? Êêê! Pode esquecer…” Não esqueci. Dia 27 estava lá. Afinal, naquele momento meu DIRE estava vencido e o recibo que eu tinha em mãos também. Dizia nele que, a partir do dia 26 eu poderia levantar o novo DIRE. Não estava pronto. Então, pedi que o funcionário me entregasse novo recibo ou indicasse (com direito a assinatura e carimbo, claro) por escrito naquele recibo uma nova data. Eu já tinha visto, no primeiro dia que estive lá, uma senhora conseguindo isso. Mas eu só tinha visto o funcionário escrevendo nova data e ela saindo. Não sei como foi a argumentação dela… Então, comecei a minha: “Quando um policial me parar na rua e pedir os documentos, vou mostrar um passaporte com DIRE vencido e um recibo que diz que eu deveria ter já levantado o novo DIRE. Então, peço que me entreguem novo recibo ou indiquem nova data nesse que tenho, para que o policial não diga que eu é que não vim cá levantar o documento”. Pedido negado. Tentei de novo, com um pouco mais de clareza na argumentação: “Meu sr., não preciso contar como são as coisas na rua por aqui… se o policial me parar nessa situação, não vai permitir que eu siga em frente sem me pedir dinheiro”. Pedido negado com a contra-argumentação de que “os polícias todos sabem que o DIRE está atrasando, porque estamos com esse problema há meses e a chefia de polícia já foi avisada”. Ainda mais clareza, já quase sem paciência: “Justamente porque eles sabem dessa situação é que andam a parar estrangeiros o tempo todo. Então, me dê o número do seu celular, porque quando o policial me parar eu ligo e o senhor explica a situação”. “Êêê!? Meu celular? Vai me ligar de noite? Pra falar coisa de trabalho?” “Se na hora de trabalhar não quer fazer seu trabalho…” Enfim, a conversa virou discussão e quase saí presa por desacato ao funcionário público quando ele me olhou com aquele olhar e cheguei no nível de clareza de expressar, em tom mais alto do que ele desejava, o que eu achava que precisaria fazer ali para conseguir o maldito carimbo. Saí sem a prorrogação do prazo oficial e a orientação para que eu voltasse daqui uma semana. Tecnicamente, fiquei numa situação em que, ou dava dinheiro para o pessoal do balcão carimbar o protocolo e indicar uma nova data, ou dava dinheiro quando um policial me parasse na rua e identificasse que meu documento estava vencido. Nesse dia, decidi sair do país. Para minha sorte, nos três meses que durou a espera pelo documento que ficaria pronto em 15 dias não fui parada por nenhum policial. Para meu azar, todas as semanas voltei lá e todas as semanas não havia DIRE pronto e todas as semanas era para voltar na semana seguinte. Desde que mudou o sistema do DIRE essa história tem se repetido com muitas pessoas. Todos estrangeiros com quem converso sobre o assunto esperaram pelo menos dois meses. A pergunta que fica é, por que, então, eles não dão um prazo mais largo para irmos retirar o documento? Já contei no texto Descrença que tipo de oportunidade eu buscava quando mudei para Moçambique. Assim como muitas pessoas que aqui estão ou por aqui passaram, vim para contribuir, dar parte do que tinha, oferecer meu conhecimento. Mas não para entregar nada a quem me extorquisse. Ver o estrangeiro como alguém de quem se pode tirar algo, alguém que deve dar vantagem (à força) não é o melhor caminho. Logo que cheguei, um amigo moçambicano, empolgado com meu conhecimento sobre reciclagem de resíduos sólidos, disse: “com essas informações que você tem, vamos mudar o país”. Eu acreditei, me empolguei com ele e por alguns meses vivi esse sonho. Até perceber que não havia tanto interesse assim na mudança. Afinal, como está, alguém ganha com isso. E esses alguéns não querem mudar o país, porque são pessoas gananciosas e sem limites. Eu não consegui apresentar minhas propostas para quem deveria, as empresas que conheci não colaboraram, o lixo continua nas ruas, as pessoas continuam sem renda, as matérias-primas virgens continuam sendo exploradas, mesmo quando há tanta para ser reciclada. Os agentes que me atenderam no departamento de imigração, com seu comportamento, deixaram claro que não querem gente como eu em Moçcambique. Eles e outros que cruzaram meu caminho por aqui, como os guardas de trânsito do texto De como os mulungos sofrem (2) ou o agente do correio do texto Será que paguei propina? E como eu não preciso disputar espaço com quem não me quer no seu pedaço, deixo Moçambique. É verdade que com uma certa tristeza no coração por todos que me receberam bem. Obs.: No meio do processo houve outros detalhes de taxas cobradas a mais e documentos desnecessários que foram pedidos para dificultar o processo na tentativa de se vender facilidade, mas o post já está grande demais e acho que passei o recado. Sandra Flosi _Tem alguns assuntos que entram em pauta, vão embora, depois voltam… ficam nos rodeando, até que não dá para não falar. O do sr. Bachir é um deles. A história começou há mais de um ano. O gajo em questão, Mohamed Bachir Suleman, foi citado em uma lista divulgada pelos Estados Unidos em junho de 2010 como narcotraficante de grande escala. Cidadão moçambicano, por aqui ele é oficialmente empresário — presidente do grupo MBS — e apoiador da Frelimo.
Bachir negou, claro, qualquer envolvimento com o narcotráfico. O governo moçambicano disse que faria sua própria investigação. Esta semana, a Procuradoria Geral da República de Moçambique informou que, após averiguações, não foram encontrados indícios suficientes da prática de atos que “consubstanciem o tráfico de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas pelo referido cidadão”. A embaixada dos EUA em Maputo mantém a posição de que há “evidências suficientes” para considerar o empresário moçambicano Mohamed Bachir Suleman “barão de droga”. Em comunicado, a representação diplomática norte-americana diz que as violações fiscais e aduaneiras encontradas nas atividades do grupo empresarial de Mohamed Bachir Suleman “em muitos casos servem como base para investigações de tráfico de estupefacientes e outros” atos ilegais, de acordo com notícia da agência Lusa, divulgada no blog Moçambique para todos. Enfim, é um diz que diz que não vale a pena entrar no mérito, porque apesar de, nas ruas, todos concordarem com a grande possibilidade da acusação ser verdadeira, provas não há. Mas resolvi entrar na história para contar uma situação inusitada que se criou a partir dessa acusação. O Bachir é dono do Maputo Shopping e do mercado Hiper Maputo que se encontra no mesmo shopping. Quando o governo dos Estados Unidos divulgou seu nome como possível narcotraficante, algumas empresas optaram por não mais ter relacionamento com o camarada, até que a situação se esclarecesse. Em menos de um mês, dois bancos (Millenium bim e Barclays) que tinham agências no shopping, saíram. Além disso, a rede de cartões Visa (única presente no país) também tomou sua posição: tirou as máquinas do Hiper Maputo, impedindo assim que fossem aceitos pagamentos em cartão de crédito ou débito. Quando isso aconteceu, foram afixados avisos no mercado de que, por uma “avaria grave no sistema”, não estava sendo aceito cartão no estabelecimento. Pagamentos só em dinheiro. Todo mundo sabia do que se tratava a avaria grave no sistema. Ficou até ridículo o aviso. Mas fato é que mais de um ano se passou, o aviso da avaria grave continua lá, as pessoas continuam comprando no mercado e não me consta que o sr. Bachir esteja mais pobre ou muito preocupado com as listas que se divulgam por aí com seu nome. Veja mais sobre o caso Bachir no jornal O País e no Moçambique para todos. Sandra Flosi _Moçambique é um país maravilhoso. Tem belezas naturais inimagináveis, tem fauna e flora riquíssima, tem solo fértil e rico, tem um povo simpático, acolhedor, bem humorado, respeitador. Mas continua com um dos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixos do mundo. Tem alguns problemas e dificuldades tão entranhados no país, que o brilho de tudo isso que é bom acaba por se apagar.
Depois de conviver e conhecer mais a fundo esse povo e esse país tenho acreditado cada vez mais que o que falta aqui é autoestima. O moçambicano precisa acreditar mais em seu potencial e valorizar o que faz, o que tem, o que é. Vivendo em Maputo, no sul do país, estamos muito perto da fronteira com a África do Sul. Não sei se o mesmo se repete em outros pontos do país, mas aqui chega a ser enervante o quanto o moçambicano valoriza seu vizinho, sem aplicar a ele o mesmo senso crítico que aplica a si próprio. Sim, a África do Sul é mais rica, tem mais desenvolvimento tecnológico e seu Índice de Desenvolvimento Humano é melhor. Mas a África do Sul está bem longe de ser o exemplo do tudo perfeito que os moçambicanos vêem. Estou hoje em Cidade do Cabo, a quarta cidade que conheço da África do Sul. As outras foram Nelspruit, Joanesburgo e Pretória, sem contar o Kruger Park, que é um mundo à parte. Em todos esses lugares sofri com atendimento ineficiente, vi lixo na rua (bem menos que em Maputo, é verdade, mas vi), vi favelas, encontrei gente pedindo esmola, convivi com serviços mal feitos e gente sem educação, enfim, vivenciei problemas. Mas quando o moçambicano fala da África do Sul, fala do país perfeito, de cidades sem favelas, do lugar onde todos têm emprego e ganham bem (verdade que ganham mais que em Moçambique, mas gasta-se mais também), do lugar limpo onde o povo não faz xixi na rua. Ou seja, os moçambicanos tendem a não ver os problemas que também existem (talvez em menor escala) no seu vizinho. E mais: não percebem que os problemas que não existem no vizinho dependem, em muito, da atitude do próprio povo. Quem faz xixi na rua em Maputo? Os postes? Não, o povo. Quem joga lixo a céu aberto? As árvores? Não, o povo. Talvez, falte ao moçambicano perceber que se ele cuidar do que está a volta dele, pode conseguir um ambiente melhor e ter o que tanto acha bonito no seu vizinho. Isso me lembra muito a atitude de alguns brasileiros com relação aos Estados Unidos. Vivem dizendo que “se fosse nos Estados Unidos não seria assim”, “lá as coisas funcionam”, “lá as pessoas são sérias”… Eu vivi lá e pude ver de perto e sentir na pele que não, não é nada disso… Talvez se o moçambicano notar o seu valor, as suas cidades bonitas e a sua terra fértil, consiga fazer com que tudo isso seja igual ou melhor do que o que está no vizinho. Falta se perceber capaz, se valorizar e não se deixar abalar por uma fronteira. O mesmo moçambicano que passa o dia na África do Sul sem fazer xixi na rua, o faz quando chega em Maputo. Por quê? Porque “aqui é assim mesmo”. E se cada um resolver que não quer mais que seja? Sandra Flosi _Quando se entra em Moçambique, no aeroporto, há grandes cartazes que pedem aos usuários do serviço público que não paguem nada além das taxas oficiais. Já vi a mesma campanha em outros espaços e até anúncios na TV. As propagandas também lembram aos funcionários públicos que receber dinheiro dos cidadãos é contra a lei.
Mesmo assim, com todo mundo que conversamos, sempre há uma história de corrupção a ser contada. Às vezes nem é declarado ou tratado como tal. Acho que foi o que aconteceu comigo, que ainda não tinha nenhuma história dessas para contar… Fiz uma compra na internet de um produto que não há em Moçambique. O produto foi enviado diretamente da loja, em São Paulo, para mim. Chegou à minha casa o aviso de que havia encomenda a retirar no correio central. Nem era um pacote grande, mas aqui o carteiro só entrega envelopes. Fui ao correio, lá estava o pacote e um formulário para eu retirar indicando a taxa de MT 130,00 por terem armazenado o pacote da sexta-feira, quando fui avisada da chegada da encomenda, até a segunda-feira, quando fui retirar. Até aí, tudo bem. Eu já ia colocando a mão no pacote, depois de ter pago os MT 130,00, quando o funcionário do correio me informou que tínhamos que ir até a alfândega, para fazer cálculo das taxas. Dirigimo-nos à porta ao lado. Lá o funcionário da alfândega pegou o pacote, pegou a nota fiscal que o acompanhava, somou o valor do produto com o valor do frete cobrado pela empresa brasileira – anotando tudo à mão, num canto de um papel qualquer que estava em cima do balcão – e multiplicou por 22. Imagino que essa operação fosse para chegar ao valor que eu gastei em meticais, uma vez que o valor do real é quase isso. Olhou o resultado, calculou 7,5%. Olhou mais uma vez o resultado e, com cara de quem não estava satisfeito, calculou 3,5% e somou ao resultado anterior. Olhou o resultado, parece que agora gostou e anotou no mesmo papel, já todo rabiscado com outras tantas coisas (entre elas possíveis contas de mulungos — estrangeiros, brancos — como eu): MT 841,00. — A senhora tem que pagar MT 841,00 de alfândega para retirar a mercadoria. Pode dar só MT 800,00, para arredondar. Fiquei confusa, mas por um momento achei que podia ser. Foi nesse momento que paguei. Claro que ele se esgueirou para um canto para receber. Depois, já no carro, percebi que, da forma como ele fez, ninguém tinha visto eu pagar. Mas isso só me veio à cabeça quando estava voltando para casa e, repensando o que se passara, me dei conta de que não recebi nenhum recibo da “taxa de alfândega”. Enfim, juntando todas as cenas daquela manhã na minha cabeça lerda, acho que só os MT 130,00 foram de fato para o governo. Os MT 800,00 foram uma propina velada, não pedida, não extorquida, não negociada. Lição aprendida. Vou receber outras coisas pelo mesmo correio. Vou pedir recibo que explique as contas e discrimine o pagamento. Vou pagar a falar bem alto: “Aqui estão os MT 800,00 da taxa de alfândega”. Se ainda assim ele receber. Se eu levar comigo um recibo oficial das alfândegas discriminando o pagamento, tudo bem. * No português brasileiro, propina significa dinheiro que se oferece a alguém em troca de favor ou benefício quase sempre ilícito, é aquela gorjeta forçada. Sandra Flosi O Mia Couto é hoje o mais bem conceituado escritor moçambicano. Eu já revelei minha admiração por ele aqui, no post Quanto melhor, mais simples.
Para além de ser um grande escritor e ótima pessoa, Mia sempre rende boas histórias. Entrevista sua é deleite na certa. Transcrevo abaixo trecho de uma resposta que ele deu em entrevista aos alunos do 3º ano do Ensino Médio do Colégio São Luís, em São Paulo, transcrita por Marina Azaredo e divulgada no blog Moçambique para todos. À pergunta como é ser escritor em Moçambique, Mia respondeu: “Vou contar um pequeno episódio que pode ajudar a responder a essa questão. Um dia eu estava a chegar a casa e já estava escuro, já eram umas seis da tarde. Havia um menino sentado no muro à minha espera. Quando cheguei, ele se apresentou, mas estava com uma mão atrás das costas. Eu senti medo e a primeira coisa que pensei é que aquele menino ia me assaltar. Pareceu quase cruel pensar que no mundo que vivemos hoje nós podemos ter medo de uma criança de dez anos, que era a idade daquele menino. Então ele mostrou o que estava a esconder. Era um livro, um livro meu. Ele mostrou o livro e disse: “Eu vim aqui devolver uma coisa que você deve ter perdido”. Então ele explicou a história. Disse que estava no átrio de uma escola, onde vendia amendoins, e de repente viu uma estudante a entrar na escola com esse livro. Na capa do livro, havia uma foto minha e ele reconheceu-me. Então pensou: “Essa moça roubou o livro daquele fulano”. Porque como eu apareço na televisão, as pessoas conhecem-me. Então ele perguntou: Esse livro que você tem não é do Mia Couto?”. E ela respondeu: “Sim, é do Mia Couto”. Então ele pegou o livro da menina e fugiu.” Mia é isso. É uma capacidade de ser leve para falar das coisas difíceis que vê e uma perspicácia admirável para saber falar de um mundo desconhecido a platéias de todo canto. Só ele poderia contar assim a relação dos moçambicanos com o livro, que é algo caro, inacessível para a maioria e ainda muito novo… Sugiro a leitura da entrevista completa no texto Onze perguntas de crianças para Mia Couto e uma entrevista inspiradora feitas numa escola brasileira. Sandra Flosi Há alguns dias, Afonso Dhlakama, presidente da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), principal partido de oposição ao governo de Moçambique, passou a ganhar mais espaço nos jornais do país, ao apresentar proposta de reagrupar seus antigos guerrilheiros desmobilizados em um quartel-general em Cabo Delgado. Em seguida, a Renamo voltou a falar sobre organização de manifestações em todo o país. A promessa de tais manifestações foi feita inicialmente logo após as eleições gerais de 2009 e seriam protestos contra alegadas fraudes nas eleições.
As manifestações e o reagrupamento dos guerrilheiros fazem parte de uma revolução que está sendo incitada por Dhlakama. Note-se que o líder da oposição chama a ação de revolução pacífica. Peço que me explique quem puder, em que português é possível ter sentido a expressão “revolução pacífica”. E se vai ser pacífica, para que é preciso então, os ex-guerrilheiros serem aquartelados para “assegurar a defesa dos cidadãos que decidam aderir”, como afirmou o porta-voz da Renamo, Fernando Mazanga, em entrevista à Voz da América. Aliás, o mesmo porta-voz afirmou ainda que o partido possui armas de fogo, que serão disponibilizadas aos guerrilheiros aquartelados. Pacífica… Segundo a Renamo, a ação é resultado da insatisfação dos antigos guerrilheiros com a atual situação do país e incumprimento, por parte da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), do acordo geral de paz, especialmente, no que diz respeito à formação do exército nacional. O objetivo é que até o final do ano corrente o partido no poder promova uma transição gradual e a Renamo assuma o governo. Vale observar que a Renamo surgiu como dissidência da Frelimo, após a independência de Moçambique. A Frelimo era partido único e governava o novo país. Então, Renamo e Frelimo protagonizaram uma guerra civil, que durou 16 anos, terminando em 1992. Note-se também que até as ondas do Pacífico sabem que eleição por aqui é assunto obscuro. Sempre se diz que há muita confusão nas eleições, que talvez o resultado fosse mais apertado do que foi nas últimas eleições e há quem fale até que a Frelimo tem apoio de organismos internacionais e por isso está aí. Tratei sobre o tema no post Democracias. Mas, é preciso dizer que, inclusive para agradar os tais organismos internacionais, o governo atual tem feito algumas alterações nas regras da dinâmica eleitoral, visando dar mais transparência e domonstrar lisura no processo. Agora, uma coisa (a confusão nas últimas eleições) não pode justificar a outra (chamado à revolução, ainda que com a capa de “pacífico”). Seja lá como for, Moçambique é um estado de direito democrático, há liberdade de expressão e há meios verdadeiramente pacíficos de se mudar uma situação que desagrade à grande massa da população. Claro está que esses meios dão muito mais trabalho. O pensamento das lideranças de oposição tem que ser muito elaborado. As ações e declarações têm que ser mais assertivas e menos espalhafatosas. Nem sempre se está disposto a tanto. Na mais recente edição do jornal Domingo (7 de agosto de 2011), o editorial bateu de forma certeira em alguns pontos que devem ter destaque nesse enredo todo: “A construção democrática do Estado exige um repensamento contínuo e uma organização em função do bem comum, com leis que criem condições para que a parte má do ser humano nunca consiga arvorar-se em sistema jurídico, privilegiando os egoísmos castradores do desenvolvimento do povo em cidadania”. Afirma ainda o editorial que, no país, “o incitamento à guerra, à violência, é crime e deve ser reprimido como tal. Afonso Dhlakama privilegia o caminho da violência e da guerra, para conseguir chegar ao poder”. Mas o texto logo observa, talvez para tranqüilizar o leitor, que “dada a sua personalidade, há a tendência generalizada para o não levar a sério”. Sendo levado a sério ou não, o que se sabe, e o editorial confirma é que “Dhlakama virou agitador, ameaçando, publicamente, dar tiros na cabeça aos polícias que contrariem os seus intentos belicistas”. No editorial, o veículo de comunicação defende que Dhlakama seja chamado à ordem enquanto é tempo. “Não por contestar o regime, não por advogar a sua reestruturação, mesmo a sua destruição, direito que lhe assiste, mas por advogar tudo isso com recurso à guerra. E sugere: “Que crie jornais, que ponha de pé estações de rádio e televisão. Que se bata, com denodo, informando o povo, que privilegie o conhecimento que é o substracto da liberdade e da construção do Estado. Será o povo informado a pronunciar-se”. Concordo plenamente com a sugestão do Domingo. Mas, conforme escrevi no post já aqui citado Democracias, não sei se a oposição em questão tem habilidade política e intelectual para tanto. Como já observei, esta via dá mais trabalho e exige capacidade intelectual mais elaborada do que a que temos visto. Veja mais sobre o reagrupamento de antigos guerrilheiros, em notícia do Moçambique para todos. Sandra Flosi |